Ela tinha dois celulares, deu o número só de um para ele, afinal por que daria o número do outro? Encontrou-a após o expediente, pediu para ele se sentar, tomar um chopp bem gelado com ela, aceitou na velha tradição carioca do chopp depois do trampo. Chegou a cogitar a boa da noitada, ela desconversou, já tinha a boa dela, falaram um pouco sobre alguns temas, ela sorriu, sorriu durante aquelas duas horas aguçadas da rua agitada da Voluntários, a luz da lua figurando sua reserva de esperança. Quando chegou um amigo dela, ela se virou, a volúpia assim se transformou, ao ficar nervosa ela apertava suavemente os lábios, o que fazia ser tudo mais excitante. O amigo dela não parou de falar, falou tudo que tinha para falar e continuou. Ele foi ao banheiro, quando voltou ela não estava mais lá, pagou a conta toda e o amigo dela disse:
- Cara, um carro passou aqui e pegou ela.
Em Botafogo é assim, as pessoas somem e outras aparecem. O celular dela desligado, aí veio a desilusão, pronto, as armadilhas da mente que vem lentamente, essa transição que prefere se afogar, fútil em desalinho e se transforma em outro, assim alivia a sua dor, sua válvula de escape se transforma em teias. Ele para, pensa e reflete, se o mundo fosse ao contrário, assim sem os desejos, sem os incômodos, sem esse eterno gozo incompreensível, que nos prende nesse mundo da carne.
E o cerne de que tanto tentou abdicar, os prantos que engarrafou seu coração, quer se fechar do desejo especialista em tecer redes.
É assim seu caminho, escolheu viver de falsas esperanças, mas mesmo em vão, segue acreditando, acreditando nos poetas, que o resgatam, que o salvam. Certa vez, um amigo de longa data, disse que o seu erro foi aquele de sempre se aprofundar nas mesmas dores, dores dos amores perdidos, dos amores proibidos, nas ilusões repetidas, mas mesmo assim acredita, acredita nos poetas, pois se eles estão certos ou não, não saberá o que poderá dizer, mas se para ele, nesse mar de insensibilidade do excesso que nos cerca, ele acredita, é com as unhas e dentes de seu corpo e de seu coração, que fará tudo girar em torno dessa crença, é essa vida que ele faz; e é com essa fé mesmo que cega na poesia, que segue levando na mais profunda sensação, de se admirar, sentir e lutar sempre por um grande amor....Ufa...Chega. Cansou de ser tolo por essa mulher, vai se enganar agora com outra e assim segue vivendo.
Ilustração: Quadro de Regina Lopes
Texto: Victor Bello
Ouvindo: Chico Buarque e Edu Lobo – A mulher de cada porto
Nenhum comentário:
Postar um comentário