terça-feira, 7 de outubro de 2008

O amante como artista.


"As imagens das quais sou excluído me são cruéis; mas por vezes também (reviravolta) sou envolvido pela imagem. Afastando-me do terraço do café em que devo deixar o outro em companhia, vejo-me partir sozinho, caminhando, um pouco arqueado, pela rua deserta. Converto minha exclusão em imagem. Essa imagem, em que minha ausência fica presa como num bloco de gelo, é uma imagem triste.

Uma pintura romântica mostra sob uma luz polar um amontoado de destroços gelados; nenhum homem, nenhum objeto habita esse espaço desolado; mas, por isso mesmo, por pouco que eu esteja dominado pela tristesa amorosa, esse vazio incita a que eu nele me projete; vejo-me como um boneco, sentado num daqueles blocos, irremedialvelmente abandonado."Estou com frio, diz o amante, vamos embora", mas não há nenhum caminho, o barco está despedaçado. Há um frio peculiar do amante: frialidade própria dos filhotes (do homem, do animal) que tem necessidade do calor materno"

"O que me machuca são as formas da relação, suas imagens; mais precisamente, aquilo que os outros chamam de forma, eu o experimento, eu, como força.
A imagem - como o exemplo para o obsessivo - é a própria coisa.
O amante é pois um artista,
e seu mundo é propriamente um mundo às avessas, já que nele toda imagem é seu próprio fim (nada para além da imagem)."


Gaspar David Friedrich

Trechos do Livro "Fragmentos de um discurso amoroso" - Roland Barthes

Ouvindo: Paulo Vanzolini - Tempo e Espaço (Paulo Vanzolini)

Nenhum comentário: