segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Se brilhassem os faróis


Se brilhassem os faróis, o rosto sagrado,
Preso num octógono de insólita luz,
Murcharia, e todos os mancebos do amor
Pensariam duas vezes antes de cair em desgraça.
Os traços de suas íntimas trevas
São feitos de carne, mas que chegue o falso dia
E caiam de seus lábios as cores desbotadas,
Que as vestes da múmia exponham um peito antigo.

Disseram-me que pense com o coração,
Mas o coração, como a cabeça, conduz ao desamparo;
Disseram-me que pense com a pulsação
E, quando ela se acelerar, mude o ritmo da ação
Até que no mesmo plano se fundam os campos e os telhados
Tão rápido me movo ao desafiar o tempo, o tranqüilho fidalgo
Cujas barbas flutuam ao vento.

Ouvi o que muitos anos tinham a me dizer,
E muitos anos atestariam alguma mudança.

A bola que lançei quando brincava no parque
Ainda não tocou o chão.

Dylan Thomas - Poemas Reunidos (1934-1953)

Ouvindo: John Frusciante - Resolution
Texto de Fidel Castro, extraído da Revista Caros Amigos, de Agosto de 2008

O DESCANSO
Encontro com um Nobel de Literatura

Decidi descansar ontem, e me reunir com Gabo e Mercedes, que visitam Cuba. Como desejava rememorar quase 50 anos de amizade sincera!
Nossa agência de notícias, sugeridas pelo Che, acabava de nascer e contratou um modesto jornalista, chamado Gabriel García Márquez. Nem a Prensa latina nem Gabo umaginavam que seria um Prêmio Nobel.
Falar com Gabo e Mercedes quando vinham a Cuba convertia-se numa receita contra as tensões em que de forma inconsciente, mas constante, vivia um dirigente revolucionário cubano. Assim que chegaram, eles entregaram-me um presente. Continha pequenos volumes. São os discursos pronunciados em Estocolmo, Suécia, por cinco ganhadores do Nobel de Literatura nos últimos 60 anos. "Para que você tenha material de leitura" - disse-me Mercedes.
Pedi mais dados antes deles irem embora às 17h. Minha curiosidadenão cessava. Os cinco Nobel escolhidosna pequena coleção foram: William Faulkner (1949); Pablo Neruda (1971); Gabriel García Márquez (1982); John Maxwell Coetzee (2003); Doris Lessing (2007).
Gabo não gostava de proferir discursos. Passou meses à procura de dados, angustiado pela palavras que devia pronunciar. O Nobel é outorgado na capital de um país que não tem sofrido os estragos de uma guerra em mais de 150 anos, regido por uma monarquia constitucional e governado por um partido social-democrata onde um homem nobre como Olof Palme foi assassinado por seu espírito solidário com os países pobres. Não era fácil a missão. Não é preciso dizer como pensava Gabo. Basta transcrever os parágrafos finais do discurso, uma jóia da prosa, ao receber o Nobel em 10 de dezembro de 1982, enquanto Cuba, digna e heróica, resistia ao bloqueio ianque:
"Um dia como hoje, meu mestre William Faulkner disse neste lugar: Recuso-me a admitir o fim do homem" - afirmou. "Não me sentiria digno de ocupar este lugar, que foi dele, se não tivesse a consciência pela de que pela primeira vez, desde as origens da humanidade, o desastre colossal que ele se recusava a admitir há 32 anos é agora mais que um simples possibilidades científica. Diante desta realidade aterradora que, através de todo o tempo humano, deveu parecer uma utopia, os inventores de fábulas que em tudo acreditamos sentimos que temos o direito de crer
que ainda não é tarde demais para começar a criação da utopia contrária.
"Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir por outros até na forma
de morrer, onde realmente seja certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham finalmente e para sempre uma segunda oportunidade sobre a terra"

Fidel Castro Ruz, 9 de julho de 2008, 19h26

Ouvindo: Gonzaguinha - Com a perna no mundo

O livro dos últimos leitores curiosos.


Eram alquimistas, bufões, poetas, metafísicos, inventores, idealistas e utopistas todos rodeados em volta do fogo candente, todos reunidos dentro de uma oca, uma oca de bambu e pau-a-pique cercada de espelhos por dentro. Quando cheguei nesta terra distante dos meus sonhos, bem na entrada havia um elefante e uma criança, um homem com cabeça de casco de tartaruga me recebeu na porteira, ele vestia uma bata, dessas bem brancas, brancas feito pluma e de linho macio. Esta Terra, parecia um pouco o sertão nordestino do Brasil, possuía poucas árvores e era cercado por uma ramagem extensa de plantas, fazendo um cercado grande em círculo e no meio a tal oca. Esse homem com cabeça de casco de tartaruga, me levou até a oca, ele disse para eu entrar com calma e que haviam muitos espelhos ali dentro e que no fundo desses espelhos haviam todas as ilusões possíveis, inclusive as dos meus sonhos. Os senhores, todos eles conversavam intercalados, parecia uma tribo primitiva que se emaranhavam em gestos e palavras, era um tanto engraçado, até que o homem que parecia ser o mais velho de todos, um senhor de cabeça chata, nariz comprido e bocas avermelhadas pegou em alguns livros e textos datilografados, havia ali enciclopédias, inúmeras correspondências de diversas partes do mundo, romances de Cervantes, Eça de Queiroz, Garcia Márquez e Cees Nooteboom, pelo que consegui observar entre alguns, textos que pareciam grandes dissertações e escrito na capa, algo referente a “As mil e uma noites e as ecrituras das cabeças de mulheres do passado" e o outro sobre “Ukbar”, retirados dos escritos de Borges, como alertava a contracapa. Tudo aquilo me chamou muita atenção, meu sonho parecia tão real, tudo era ao mesmo tão fantástico e ao mesmo tempo parecia tão sólido, diferente deste tempo líquido real que vivemos. Nessa terra dos meus sonhos, esse senhor veio até mim e disse ser um antigo alquimista das terras distantes da Turquia e Bufão aposentado de uma Escola circense da Itália, ele me falou sobre um livro que não consegui exatamente identificar qual era, disse para eu guardá-lo em meu coração, mesmo sem ter me dado, apenas escreveu um verso na palma de minha mão e disse-me que aqueles eram tempos preciosos, não entendi muito bem, acatei suas palavras e meu sonho me levou para o escuro novamente, assim, não consegui mais lembrar de nada depois, apenas dos versos que permaneceram em minhas mãos, eram eles: "Naquele tempo, procurava os entardeceres, os arrabaldes e a desdita; agora, as manhãs, o centro e a serenidade" Jorge Luís Borges, fiquei refletindo e curioso com tudo aquilo e foi quando despertei para acordar para outros sonhos e para outros livros.

Texto: Victor Bello

Ouvindo: Jan Garbarek - Red Wind

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O amante como artista.


"As imagens das quais sou excluído me são cruéis; mas por vezes também (reviravolta) sou envolvido pela imagem. Afastando-me do terraço do café em que devo deixar o outro em companhia, vejo-me partir sozinho, caminhando, um pouco arqueado, pela rua deserta. Converto minha exclusão em imagem. Essa imagem, em que minha ausência fica presa como num bloco de gelo, é uma imagem triste.

Uma pintura romântica mostra sob uma luz polar um amontoado de destroços gelados; nenhum homem, nenhum objeto habita esse espaço desolado; mas, por isso mesmo, por pouco que eu esteja dominado pela tristesa amorosa, esse vazio incita a que eu nele me projete; vejo-me como um boneco, sentado num daqueles blocos, irremedialvelmente abandonado."Estou com frio, diz o amante, vamos embora", mas não há nenhum caminho, o barco está despedaçado. Há um frio peculiar do amante: frialidade própria dos filhotes (do homem, do animal) que tem necessidade do calor materno"

"O que me machuca são as formas da relação, suas imagens; mais precisamente, aquilo que os outros chamam de forma, eu o experimento, eu, como força.
A imagem - como o exemplo para o obsessivo - é a própria coisa.
O amante é pois um artista,
e seu mundo é propriamente um mundo às avessas, já que nele toda imagem é seu próprio fim (nada para além da imagem)."


Gaspar David Friedrich

Trechos do Livro "Fragmentos de um discurso amoroso" - Roland Barthes

Ouvindo: Paulo Vanzolini - Tempo e Espaço (Paulo Vanzolini)

Citações Mutantes...As viagens do Homem Plural (parte um)

Sou muito curioso a respeito de muitos assuntos. Em uma sociedade altamente diversificada em que o futuro indica cada vez mais a necessidade de um homem plural, ou seja, um homem com competência em diversas áreas, conhecimentos e técnicas, minha avidez por diversas leituras, sempre me faz voltar as tradições filosóficas milenares, orientais e místicas. Me interesso muito por civilizações antigas como os Essênios, Atlântida, os Maias, os egípcios, a tradição sufi, o budismo, o tantrismo, taoismo etc... Vai algumas citações para quem se interessa adentrar nesse vasto conhecimento.

"Os anjos são criadores evolutivos
Eles não são mais o que os homens
pensam ainda deles.
E nós, os homens, somos a sua obra.
Enquanto obra, nós somos salvadores,
pois somente os nossos atos podem tudo salvar"
Gitta Mallasz

"Se um número suficiente de pessoas passar por
um processo de profunda transformação interna,
talvez seja possível alcançar um nível de evolução
da consciência no qual possamos merecer o nome
suntuoso que demos à nossa espécie: homo sapiens"
Stanislav Grof

"Não se preocupe,
meu sistema manterá
a consciência do Ser.
Você pensará.
Seu corpo será mais brilhante.
A mente, mais inteligente.
Tudo em superdimensão.
o mutante é mais feliz,
feliz porque na nova mutação
a felicidade é feita de metal"
Gilberto Gil

"Seja como for, a grandiosa revolução humana
de uma única pessoa irá um dia impulsionar a
mudança total do destino de um país e além disso
será capaz de transformar o destino de toda humanidade"
Daisaku Ikeda

"[...] não se meta a exigir do poeta
que determina o conteúdo em sua lata,
pois ao poeta cabe fazer
com que na lata
venha caber o incabível"
Jeanne Guesné, Gilberto Gil

Dica de livro: Os Mutantes - Uma nova humanidade para um novo milênio - Pierre Weil

Ouvindo: Victor Bello - No caminho com pierrot

UM SOL NO ESCURO


Tenho escutado muito o disco do músico paulistano Fábio Góes “Sol no escuro”, lançado em 2007 pelo selo Reco-Head. O disco traz uma sonoridade mesclada, por uma áurea melancólica e intensa, Góes experimenta desde sonoridades mais psicodélicas e indies, a uma MPB ampla. Sol no escuro, foi um trabalho de constante amadurecimento, já que o disco foi feito sem pressa, onde Fábio toca todos os instrumentos, percebendo nele influências de bandas como Radiohead, Clube da Esquina, Jorge Ben e os experimentais do Mogwai. O disco também conta com a participação da cantora Céu, na faixa jazz “Sun of your eyes”.
Góes é cantor, compositor e multiinstrumentista e trabalha também produzindo trilha sonoras para cinema, seu talento pode ser observado na trilha do maravilhoso filme de Walter Salles “Abril Despedaçado” (2001), também em “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund, nas do documentário “Pixote in Memorian” (2006), de Felipe Briso e Gilberto Topczewski, e no curta “Balada das Duas Mocinhas de Botafogo” (2006), de João Caetano Feyer e Fernando Valle. Um disco especial, de talento e dedicação, vale a pena conferir.

Para baixar o álbum: http://lix.in/-2fcf86

Ouvindo: Fábio Góes - Mundo Acumulado